terça-feira, 26 de março de 2024

A Extinção dos Cinemas Tradicionais

 

A chegada do cinema representou um grande passo em direção a modernidade que a cidade almejava. Chegou timidamente, na forma de bioscópio, despertou curiosidades e começou a tirar a população das rodas de calçadas costumeiras, maneira que o povo encontrava para ocupar as noites, sem luz elétrica, sem rádio, sem TV. A fase de prosperidade começou em 1908 com a chegada do Cinema Di Maio, seguido de diversos outros pequenos cinemas, que fizeram o deleite dos admiradores da sétima arte. 



Mas o cinema começou de fato a ganhar público e investimentos a partir de 1917 com a inauguração do Cine Teatro Majestic-Palace, um belo e luxuoso teatro, com 650 lugares, construído por Plácido de Carvalho. O mesmo empresário  inaugurou em 1921 o Cine Moderno, que desbancou o Majestic em termos de conforto das instalações e preferência do público de maior poder aquisitivo.  O novo cinema foi explorado por Luiz Severiano Ribeiro.

Depois surgiram diversas salas, ligadas a associações e entidades de classes, como o Cine Fênix, o Merceeiros, o Centro Artístico Cearense e outros; a próxima grande sala cinematográfica e ser inaugurada no centro foi o Cine Diogo, de Luiz Severiano Ribeiro que despontava como o grande exibidor que reinava sem concorrentes.   

Os cinemas de Luiz Severiano Ribeiro só conheceram concorrência de peso nos anos 50, quando o empresário Amadeu Barros Leal inaugurou o Cine Jangada, com a promessa de que seria a primeira de treze salas a serem implantadas pela Empresa Cinematográfica do Ceará – CINEMAR. Depois do Jangada foram inaugurados o Cine Araçanga, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Antônio Pompeu; o Cine Samburá, localizado na Rua Major Facundo, entre as Ruas Pedro Pereira e Pedro I; e o Cine Toaçu, na rua General Sampaio, na Praça José de Alencar, todos da CINEMAR.

O Cine Art ocupou o mesmo local do Cine Araçanga, depois que a sala de projeção Amadeu Barros Leal fechou, na esquina da Rua Barão do Rio Branco com Antônio Pompeu. Foi inaugurado no dia 24 de fevereiro de 1959. De vida curta também na rua General Sampaio teve o Cine Rex, abriu em 1940, fechou no ano seguinte.




Cine São Luiz, nos anos 1990 e no dia da inauguração 

Mas o grande acontecimento no mundo dos cinemas ocorreu em 1958 com a inauguração do Cine São Luiz, no dia 23 de março, mais um empreendimento bem-sucedido de Luiz Severiano Ribeiro

Assistir a uma sessão de cinema no São Luiz era acontecimento digno de nota. As sessões tornaram-se uma passarela de elegância, onde desfilavam as moças mais distintas da sociedade, as famílias mais importantes, todos caprichando nas indumentárias.   O São Luiz surgiu como um dos mais luxuosos do Brasil. Dispunha de auditório com área total de 2.653m², 1.300 lugares, palco com recursos para teatro, imponente hall e escadarias para o balcão, piso e revestimento em mármore de Carrara, lustres de cristal importados da Checoslováquia e ricos tapetes. Foi o primeiro a utilizar o então revolucionário Cinemascope, cuja tela era bem mais ampla do que a normal, a implantar o som estereofônico, a oferecer poltronas estofadas e ar-condicionado.

No momento da inauguração, o São Luiz contava com três gerentes, 55 empregados e 17 recepcionistas. O uso do paletó era obrigatório para os homens, e as mulheres espontaneamente, se vestiam com roupas de baile, com muitas joias e adereços como luvas e chapéus. Coisa chique, lugar de alto nível. Com o tempo, o São Luiz começou a se adaptar aos novos tempos. Começou por abolir a exigência do uso de paletó e gravata nos anos 60, a exemplo do que acontecera no Cine Diogo, alguns anos antes.     

Depois do São Luiz, mas sem pretensões de lhe fazer concorrência, surgiu o Cine Fortaleza, Inaugurado em 11 de agosto de 1974. Foi o primeiro cinema de lançamento no sistema em que o filme entrava em cartaz e só saía quando não tivesse mais público. O filme de estreia “Ritmo Quente", passou 189 dias em cartaz, ou seja, sete meses. Ficava na Rua Major Facundo, no local onde funcionou o Cine Samburá.

Uma série de fatores determinaram a decadência desses espaços que durante tantos anos divertiram a população e atraiu um público fiel para suas sessões, especialmente as noturnas. Alguns fecharam por se tornarem obsoletos, sendo substituídos por outras salas de exibição mais modernas, no mesmo endereço; mas a maioria teve seu fim decretado por conta do esvaziamento verificado no centro, determinado pelo aparecimento de novas centralidades, que tiraram do centro o local de convergência na procura por produtos, serviços e diversão. 



interior do Shopping Center Um e arredores do Shopping Iguatemi

A tendência apareceu ainda por volta da metade dos anos 70, com a inauguração do Shopping Center Um, em 1974, na Avenida Santos Dumont. No início dos anos 80 surgiu o Shopping Iguatemi, e consolidou a Aldeota como local de lazer e comércio; o surgimento dos shoppings centers nas regiões da Aldeota e no Cocó contribuíram para a decadência do centro. Esses novos empreendimentos ofereceram salas de projeção com capacidade para no máximo 100 a 400 poltronas. Os antigos cinemas com prédios especialmente projetados para esse fim, com suntuosas salas de espera e mais de mil lugares, são definitivamente coisas do passado. E os filmes atuais estão muito distantes dos charmosos e românticos enredos que eram exibidos nos velhos cinemas do centro.

Cine Majestic – encerrou as atividades em 1968, depois de um incêndio; Cine Moderno – encerrou em 1968 – o prédio foi demolido; Cine Diogo – fechado em 1997 – hoje funciona um centro comercial.

Cine São Luiz – atividades de cinema encerradas em 2005 pelos proprietários do grupo Luiz Severiano Ribeiro. Depois o espaço foi arrendado pelo grupo Fecomércio – Federação do Comércio do Ceará e funcionou até 2010. Atualmente funciona como equipamento cultural mantido pelo governo do Estado. Cine Fortaleza - fechado em 1999; Cine Jangada - fechado em 1996.  



fontes: Fortaleza: cultura e lazer (1945-1960) de Gisafran Nazareno Mota Jucá Os Dourados Anos, de Marciano Lopes Ary Bezerra Leite – A Tela Prateada - História do Ceará, de Airton de Farias. Jornais O Povo e Diário do Nordeste. Publicação www.fortalezaemfotos.com.br. Fotos: Arquivo Nirez, Anuário do Ceará, Jornais. 


  

  

quinta-feira, 7 de março de 2024

Fortaleza sem memória: a história se repete

 

A estratégia é a mesma: os imóveis mais antigos, passiveis de tombamento por possivelmente conterem elementos importantes para a história patrimonial ou para a arquitetura da cidade, são deixados de lado, sem nenhum tipo de manutenção, sem nenhuma cobrança aos seus proprietários, sem emprego de nenhum recurso que possibilite sua manutenção. Quando chegam a um ponto sem retorno, tamanha é a deterioração, e metade da população aprova a medida, por perceber o risco que representa, então é chegada a hora, é dado o grito heroico de redenção, que elimina riscos de desmoronamentos e esconjura moradores indesejados: derruba!


Nos anos 50 (imagem arquivo Nirez)

Como a estratégia não é nova, e o resultado tampouco, era de se esperar que o próximo da fila, fosse inevitavelmente o Edifício São Pedro, na orla marítima. O edifício construído no início da década de 1950, inicialmente não tinha pretensões de abrigar um hotel; a transformação decorreu de um encontro promovido pela Junta Comercial em Fortaleza, no qual a rede hoteleira não seria suficiente para atender a demanda por acomodações.

Assim foi inaugurado como Iracema Plaza Hotel, a primeira edificação da orla de Iracema, com a fachada inspirada em hotéis de Miami. Foi inaugurado ainda inacabado, pois faltava concluir o último andar, o sétimo. Todo o edifício era habitado, inclusive o térreo. Nas alas Leste e Oeste ficavam as entradas de acesso à parte residencial. Na parte Norte, de frente para o mar, funcionava o Iracema Plaza Hotel, ocupando os sete andares. Na área Sul, que tem acesso para a antiga avenida Aquidabã, atual Historiador Raimundo Girão, estavam os flats.


Em 2013 (imagem blog Fortaleza em Fotos)

Naqueles festejados anos 50, o edifício São Pedro era o mais alto da Praia de Iracema, chamava a atenção por sua fachada diferenciada que imitava o formato de um navio antigo, abrigava um hotel luxuoso, que atraía artistas e pessoas conhecidas para o local. No térreo, de frente para o mar, foi instalado o restaurante “Panela”, que durante muito tempo, serviu como ponto de encontro da elite local e de turistas que visitavam a cidade.


atualmente (imagem Portal GCMais)

A decadência começou aos poucos com a chegada na Beira-Mar de outros hotéis, mais luxuosos, mas condizentes com as novas diretrizes que a cidade pensava para o turismo. Com o tempo o hotel fechou as portas e o prédio continuou como residencial, mas bastante esvaziado e com a procura por apartamentos cada vez menor. Sem manutenção, ou novos investimentos por parte dos poucos proprietários, atingiu o caos e ofereceu a desculpa ideal para demolição. Fim da história. 

no cenário original da Praia de Iracema (imagem IBGE)
 

No local deve surgir mais um desses edifícios modernosos, os envidraçados que abundam em Fortaleza, que refletem a intensa luz solar nas suas paredes espelhadas, e ofuscam olhos, sentidos e confundem o senso estético. Mas essa é sempre a solução fácil encontrada para a cidade: demolir. Qualquer um pode fazer, nem precisa ser autoridade.  Nosso palpite de quem será o próximo a cair: antiga escola Jesus, Maria José, na Rua Coronel Ferraz.   


publicação www.fortalezaemfotos.com.br.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Colégios Antigos: O Parthenon Cearense e o Instituto de Humanidades


O velho colégio Parthenon estava situado à Rua 24 de Maio esquina com a Rua Liberato Barroso, (à época rua das Trincheiras), na Praça do Patrocínio (atual Praça José de Alencar), no local onde mais tarde seria construído o Lord Hotel. Foi fundado em 1° de junho de 1892, pelo professor Lino de Sousa da Encarnação. Oferecia dois cursos: primário e secundário, o primeiro com duração de três anos, compreendendo as matérias leitura em prosa e verso, gramática portuguesa, aritmética, noções gerais de geografia, desenho linear, história do Brasil, instrução cívica, moral e religiosa. 


antiga Praça do Patrocínio/Marquês de Herval/José de Alencar

O secundário subdivide-se em curso de ciências e letras, que seguia o programa de ensino do Liceu, onde os alunos fazem os respetivos exames e curso comercial, feito em três anos compreendendo: no 1° ano – português, francês, aritmética, geografia e caligrafia; no 2° ano, as mesmas matérias em níveis mais avançados; e no 3° ano – português, francês, inglês, escrituração e correspondência comercial, conhecimento das tarifas ordinárias do país e noções de direito comercial. Em 1897 o Parthenon foi transferido para a mesma rua 24 de Maio esquina sudoeste com a rua Guilherme Rocha, e depois, em 1900, para a Rua Barão do Rio Branco.  

O escritor Gustavo Barroso foi aluno do Parthenon Cearense e do professor Lino da Encarnação a partir de 1898. Em seu livro “Coração de Menino” descreve sua impressão ao adentrar a escola pela primeira vez:  “uma casa grande, de esquina. Um corredor escuro entre salas com filas de carteiras envernizadas de vermelho. Mapas nas paredes. Quadros negros com restos de cálculos aritméticos a giz. Ao fundo do corredor, um gabinete, onde nos espera um homenzinho moreno escuro, de olhos bondosos e bigodes brancos” Era o professor Lino da Encarnação.

O concorrente direto do Parthenon, da época de Gustavo Barroso, era o Instituto de Humanidades, fundado em 7 de janeiro de 1892 pelo cônego Vicente Salazar da Cunha e Dr. Antônio de Vasconcelos, situado à rua Sena Madureira, esquina com a antiga rua do Cajueiro.

Nomeado vigário de Maranguape em 1899, o Instituto passou para o comando do padre Barbosa de Jesus. O colégio do padre Barbosa oferecia o mesmo currículo do Parthenon, com as mesmas disciplinas. Mais tarde o colégio foi transferido para a Rua Barão do Rio Branco, no mesmo prédio que, em 1910, passou a funcionar outro Instituto de Humanidades, fundado pelo professor Joaquim da Costa Nogueira.

 


O prédio da rua Barão do Rio Branco ainda cumpre uma longa tradição enquanto abrigo de estabelecimento de ensino: Instituto de Humanidades do padre Barbosa, Instituto de Humanidades do professor Joaquim Nogueira, Colégio Nogueira, Colégio Farias Brito. Atualmente funciona no local uma unidade do Colégio Ary de Sá.    

 

Fontes: Gustavo Barroso – Coração de Menino/Livraria José Olímpio, 1939; Antônio Bezerra de Menezes – descrição da Cidade de Fortaleza /introdução e notas de Raimundo Girão/UFC/Casa José de Alencar/1992-publicação www.fortalezaemfotos.com.br - Imagens do Arquivo Nirez.

 

 

 


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

As Primeiras Plantas de Fortaleza

 

A primeira planta da Vila de Fortaleza ficou desconhecida dos historiadores até que o Padre Serafim Leite a identificou em suas pesquisas sobre a história dos jesuítas no Brasil, nos arquivos portugueses. No desenho, supostamente de 1726, são assinalados o forte; a Casa da Câmara com doze portas e 12 janelas, situada no lado oeste da praça da Sé; a capela de São José, com uma cruz no frontispício e voltada para o mar; o pelourinho em frente à Câmara; a forca em frente ao forte; e a casa dos jesuítas, também com uma cruz em sua fachada, que se situava mais ou menos onde hoje está o Paço Municipal, antigo Palácio do Bispo. O maior número de prédios está à esquerda do riacho Pajeú, no entanto a cidade cresceu e se expandiu mais para o leste, à direita do riacho, em busca de ares mais puros.

a autoria da primitiva planta de Fortaleza é atribuída ao capitão-mor Manuel Francês
 

A cidade foi se desenvolvendo, embora lentamente, a partir da autonomia da Capitania do Ceará, desmembrada da capitania de Pernambuco, e a consequente nomeação do seu primeiro governador Bernardo Manuel de Vasconcelos, em 1799. Seu sucessor foi João Carlos Augusto de Oeynhasen e Grevenbourg, que governou de 1803 a 1810, período em que Fortaleza foi visitada pelo inglês Henry Koster que dá algumas informações não só sobre Fortaleza, mas de razoável trecho do Ceará. “A Vila de Fortaleza é edificada sobre terra arenosa, em formato quadrangular com quatro ruas, partindo da praça, (do Conselho, hoje da Sé) e mais outra, bem longa, do lado Norte, desse quadrado, correndo paralelamente, mas sem conexão. As casas têm apenas o pavimento térreo e não possuem calçamento, mas n’algumas residências, há uma calçada de tijolos diante. Tem três igrejas, o palácio do Governador, a Casa da Câmara e prisão, Alfândega e Tesouraria. Os moradores devem ser uns mil e duzentos. Não é muito para compreender-se a razão da preferência dada a este local”.

No mesmo ano de 1810 o jornalista João Brígido já apresenta uma descrição da Vila com algumas divergências em relação à descrição de Henry Koster. Segundo João Brígido, “Ceará-Homens e Fatos” os logradouros existentes naquele ano de 1810, eram: 1 – rua do Quartel, atual General Bezerril, tudo indicando que se trata da mesma rua da Cadeia, de que falam antigos documentos, posto que esta era dependência do quartel; 2 – a praça do Conselho, hoje Praça da Sé, formada pela matriz a leste e por uma linha de casas em frente a ela, tendo pelos fundos a rua do Quartel; 3 – a rua das Flores, atual Castro e |Silva, que é a rua longa a que se referiu Henry Koster, cujo alinhamento era mais ao norte que o atual; 4 – a rua da Boa Vista, atual Floriano Peixoto; 5 – a rua Direita dos Mercadores, hoje Conde D’Eu, que terminava no Beco do Pocinho e margeava o riacho Pajeú; 6 – rua do Rosário, por trás da igreja; 7 – Praça do Palácio, hoje General Tibúrcio; 8 – Beco do Monteiro, que cortava o quarteirão formado pelas ruas Major Facundo, São Paulo e Floriano Peixoto e Travessa Pará, hoje desaparecido; 9 – Beco das Almas, atual rua São José; 10 – rua da Fortaleza, hoje Dr. João Moreira. Eram, pois, oito ruas e duas praças da Fortaleza de 1810, não cinco ruas e uma praça, como simplificara Henry Koster.

antiga rua Direita dos Mercadores, trecho da atual Sena Madureira

A cidade crescia, mas seu desenvolvimento era desordenado, ao sabor de acidentes geográficos, tendo como eixo principal a rua Direita dos Mercadores que, apesar do nome, era torta, visto que seguia paralela ao leito do riacho; e dos morros ou outeiros, que eram vistos por toda a vila. O cenário começou a mudar com a chegada do governador Manuel Inácio de Sampaio, empossado pouco tempo depois da visita de Henry Koster, no dia 19 de março de 1812, ficando no cargo até 12 de janeiro de 1920. O governador trouxe consigo na qualidade de seu assistente, o engenheiro militar Antônio José da Silva Paulet, que fez uma planta ordenando os logradouros, disciplinando seu crescimento sob inspiração do conceito da época – o traçado xadrez, corrigindo traçados irregulares e sugerindo ruas em linhas retas, cruzadas e perpendiculares.

E o plano de Silva Paulet foi o primeiro passo para eliminação de vielas e becos, visando a regularização urbanística da vila, à exemplo do que já ocorria com todas as vilas e cidades da colônia. O trabalho de Paulet dentro das concepções do urbanismo moderno, ao mesmo tempo de remodelação e ampliação, tirou a pequena vila, da desordem, para uma orientação lógica, pois a tendência era o povoado acompanhar as tortuosidades impostas pelo riacho.

Planta de Fortaleza de 1818 de Silva Paulet 

A planta de Paulet inclui o contorno da nova Fortaleza; a inspiração é a das cidades ortogonais, com as ruas cortando-se em ângulo reto de 90 graus, seguindo a modelo vigente e dominante, como as cidades hispano-americanas. Ideias desta ordem dominaram o século XIX, porque os alinhamentos e os ângulos retos eram os mais convenientes para o traçado das ruas e construção de prédios, sobretudo se for levado em conta a pouca importância que o tráfego urbano representava para as cidades. 

Rua Floriano Peixoto

A primeira rua em linha reta de Fortaleza, que serviu de parâmetro para as futuras que se desdobrassem de norte a sul, do mar para o sertão, partiu da fortaleza, tomando como referência a Praça Carolina e aproveitando-se dos arruados conhecidos como Rua das Belas, rua da Pitombeira e rua da Alegria, correspondentes a atual rua Floriano Peixoto, primeiro logradouro nos conformes da planta de Silva Paulet.

 

Publicação Fortaleza em Fotos. Fontes: Aderaldo, Mozart Soriano. A Praça. Tiprogresso, Fortaleza, 1989// Girão, Raimundo. Geografia Estética de Fortaleza. Imprensa Universitária. Fortaleza, 1959. Imagens Arquivo Nirez/Internet

 

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Os Protestos de Usuários dos Serviços da Ceará Light (bondes elétricos)

 

A chegada dos bondes elétricos em 1913 foi considerada um grande progresso, que contribuiu decisivamente para a expansão e para o desenvolvimento de Fortaleza. Os chamados Tramways que vieram para  substituir os bondes de tração animal no transporte coletivo, encurtaram distâncias, facilitaram o acesso a bairros distantes e favoreceram a locomoção de moradores e trabalhadores que antes cumpriam longos percursos a pé. A concessionária era empresa inglesaThe Ceará Tramway Light and Power Co. Ltd”, e a equipe dirigente era formada quase que exclusivamente por cidadãos ingleses. O representante local da diretoria inglesa era o engenheiro Francis Reginald Hull e o gerente geral, o Dr. E.M. Scott.


 

O serviço foi inaugurado em 9 de outubro de 1913, com a presença do Intendente Municipal e outras autoridades, com a instalação da linha Estação Joaquim Távora. No dia 12 de janeiro de 1914 é inaugurada a linha entre a Travessa Morada Nova e a Praia de Iracema, denominada de Linha da Praia. No mês seguinte, em 14 de fevereiro, começava a funcionar a Linha do Outeiro (Santos Dumont-Aldeota). O transporte de tração animal continuou funcionando e foi sendo desativado à medida em que se inaugurava novas linhas. Para o serviço de tramways foram adquiridos inicialmente, 30 bondes e um carroção para transporte de cargas.


Nos primeiros anos de funcionamento, foi tudo às mil maravilhas; mas as primeiras reclamações sobre as deficiências dos serviços, não demoraram a aparecer; primeiro com a quantidade de veículos em circulação que eram insuficientes para o número de passageiros;  depois com o grande número de bondes parados nas linhas, ou por falta de energia elétrica ou por quebra de peças que impossibilitavam a circulação; mais tarde evoluíram para a reivindicação de um serviço mais organizado, descumprimento de horário, reajustes nos preços das passagens e protesto pelo estado de conservação dos bondes, desconfortáveis e sucateados. Além das reclamações dos usuários, havia também a revolta dos empregados, que giravam em torno de aumentos salariais e redução da carga de trabalho.

Em 1923 o jornal “A Tribuna” reclamava do serviço prestado pela Light, destacando que os bondes eram sujos, sem conforto e que em dias de chuva os passageiros sofriam bastante. Reclamavam ainda da atuação das autoridades municipais que não tomavam nenhuma providência nem exigiam a melhoria do serviço da companhia inglesa.  

No ano de 1925 os protestos explodiram de vez e a insatisfação levou intranquilidade e conflitos para as ruas de Fortaleza. Em setembro desse ano, a Light instituiu classes diferentes no transporte, haveria bondes de 1ª classe e de 2ª. classe, definidos pelas cores: verdes; os horários seriam alterados e haveria elevação de preços para os bondes de primeira classe. Mas a disponibilidade dos bondes de 2ª. classe, mais baratos, era muito menor do que os de 1ª. classe, mais caros. Além do mais, os horários eram considerados inadequados, pois não contemplavam os horários de pico.


a maioria das linhas dos bondes partiam da Praça do Ferreira, em frente ao prédio da Intendência Municipal. imagem de 1920

A companhia não esperava uma resistência tão incisiva às modificações apresentadas, que começou com os alunos do Liceu, recebeu adesão de outros colégios e se espalhou pelo público em geral. Uma multidão se aglomerou na Praça do Ferreira, local de partida da maioria das linhas onde teve início uma série de atos de vandalismo: teve quebra-quebra, depredação, agressão e gente que invadia os bondes que conseguiam sair, sem pagar a passagem.

À certa altura a Polícia resolveu intervir para dispersar os mais exaltados, mas de acordo com notícias do jornal do Commercio, a ação policial foi violenta e desproporcional e servindo apenas para acirrar ainda mais os ânimos. Durante todo o dia aconteceram distúrbios tanto na Praça do Ferreira quanto nos outros locais de parada dos bondes, e até mesmo o gerente da Light, Mr. Scott, que compareceu ao posto de bondes para tentar alguma solução para o impasse, viu-se ameaçado pela multidão, e só saiu do local com escolta policial.

Os tumultos se repetiram por quase uma semana, enquanto autoridades, imprensa e representantes de várias instituições propunham acordos e soluções a fim de resolver o impasse. Por outro lado, o aumento da repressão policial contribuiu para inibir as ações populares, apesar de continuarem os atos contra a Light e a abstenção de usuários de utilizar os veículos de 2ª. classe.

Mas uma ação considerada violenta, foi determinante para que o movimento perdesse parte do apoio popular. Na madrugada um grupo não identificado colocou uma pequena carga de dinamite na linha do bonde Alagadiço, que explodiu durante a passagem de um bonde de 2ª. classe. Os danos ao veículo foram pequenos e nenhum passageiro ficou ferido, mas o discurso da concessionária mudou para além dos prejuízos da empresa, alegando que agora, o que estava em risco era a integridade física dos usuários do transporte. No mesmo dia foi encontrado um petardo pesando quase um quilo, na linha Praia de Iracema, que não chegou a ser detonado. As forças de repressão debelaram os atos públicos de protesto; os mais exaltados, identificados como líderes eventuais desses atos, foram agredidos pela polícia ou presos; a forma mais violenta de atuação comprometeu a legitimidade dos protestos. Esses acontecimentos aliados a outras ações determinaram o fim do movimento de protesto.


Em 1935 os bondes mantinham uma disputa acirrada com os ônibus, que já serviam a quase todos os bairros -  imagem uwm libraries

O resultado prático de tudo, em termos de funcionamento do transporte, foi mínimo: a Light não revogou suas decisões e os dois tipos de veículos com suas respectivas tarifas continuaram a circular de forma alternada; somente nos horários de maior fluxo – ao meio-dia e no início da noite – circulariam bondes de 1ª. e 2ª. classe simultaneamente. Em contrapartida a empresa passou a ser cobrada sistematicamente pela má prestação dos serviços, tanto por parte da população quanto pelas instituições atuantes à época (a Fênix Caixeiral, a Associação Comercial, o Centro Artístico Cearense, o Centro dos Importadores, e outros),  e as autoridades, pela omissão com os prejuízos causados pela deficiência do transporte, e pela tolerância com a péssima atuação da Ceará Light and Power. O bondes elétricos funcionaram até o dia 19 de maio de 1947, substituídos definitivamente pelos ônibus como transporte coletivo de massas.     

 

Fontes: O povo em fúria: a revolta urbana de 1925 em Fortaleza, autor Eduardo Oliveira Parente. Disponível em file:///C:/Users/mfati/Downloads/administrador,+Se%C3%83%C2%A7%C3%83%C2%A3oLivre_3EduardoParente%20(5).pdf

Menezes, Raimundo de. Coisas que o Tempo Levou: crônicas históricas da Fortaleza antiga. Introdução Sebastião Rogério Ponte. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000. 208 p – (Clássicos cearenses:2)/publicação Fortaleza em Fotos. Imagens do Arquivo Nirez